A União Brasileira de Mulheres (UBM) realizou um seminário, no Recife, para discutir as particularidades da relação entre gênero e meios de comunicação. Além de debater a representação da mulher na mídia e a construção que os jornais fazem de casos de violência de gênero, as participantes do encontro também se dispuseram a conversar sobre o fortalecimento do movimento de mulheres. A atuação desse segmento tem sido realmente cada vez maior no movimento pela democratização da comunicação. O encontro aconteceu na última sexta-feira, dia 19 de agosto.
A violência nos meios de comunicação
A pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Patrícia Bandeira de Melo abriu as apresentações na mesa Gênero e Mídia. Patrícia fez uma abordagem geral de como meios de comunicação no Brasil tratam da violência nos noticiários e quais os efeitos de sentido que este tipo de cobertura jornalística pode provocar.
Primeiramente, a jornalista afirma que “a mídia conduz a efeitos que chegam a generalizações, exageros e a naturalização da violência”. No livro “Histórias que a mídia conta”, resultante de sua tese de doutorado, Patrícia analisa a cobertura de casos de violência que tiveram alcance nacional, como o do menino João Hélio e de Isabela Nardoni. A partir das análises, ela conclui que a construção midiática de crimes violentos contribui para que seja instaurado, no imaginário social, o trauma coletivo do medo. “A gente passa a ter medo de crimes raros, grotescos, dantescos”, explica.
Ademais do espetáculo que as produções jornalísticas criam ao cobrir mortes chocantes e assassinatos grotescos, Patrícia chama a atenção para a cobertura superficial que os meios de comunicação tradicionais fazem destes casos, a qual se mostra simplista e maniqueísta. A pesquisadora, em sua tese, percebe a dualidade das notícias analisadas e afirma que, nelas, cria-se um lado “profano” (que designa o ofensor, o assassino) e um lado puro (a vítima) e que falta uma análise mais profunda do acontecimento. “A mídia se atém ao ato e sua conseqüência”, diz a pesquisadora, mas “o que faz o sujeito cometer aquele ato de violência? Isso, os jornais esquecem-se de questionar”, afirma Patrícia.
Para a pesquisadora, “a mídia deve revisar sua abordagem da violência, eliminar esta dicotomia entre o bem e o mal”. E os leitores, telespectadores e ouvintes devem mudar o contrato de “leitura” dos meios de comunicação, levando em consideração as lacunas existentes na construção da realidade feita pelos jornais e telejornais.
A violência contra a mulher e a mídia
Assim como Patrícia, a professora Sandra Raquew Azevêdo, da Unidade de Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) — também falou sobre a construção da narrativa midiática da violência; entretanto acrescentou a esta discussão, a representação da violência contra a mulher, mais especificamente, na imprensa paraibana.
A explanação de Sandra foi feita a partir de sua tese de doutorado, em que investigou a cobertura de dois assassinatos de mulheres que tiveram grande repercussão na Paraíba: o de Maria Cristina Batista (Caso Cris, de 1990) e de Márcia Barbosa (Caso Márcia, de 1998). Ao analisar durante dez anos a cobertura de cada um dos casos, Sandra percebeu que se intensificou a discussão, na esfera pública, sobre a violência contra a mulher. De acordo com a pesquisadora, a reincidência dos casos de homicídio de mulheres fez crescer a articulação do movimento feminista na Paraíba. A ação política desses grupos, afirma Sandra, pautou a imprensa e sensibilizou os jornalistas, intensificando o debate sobre a impunidade de crimes contra as mulheres, já que constantemente a imprensa produzia notícias e agendava estes temas para o debate público. A partir disso, “a sociedade também percebeu que a violência contra a mulher tinha uma origem, era uma violência de gênero”, destaca a professora.
O assassino de Márcia foi o ex-deputado federal Aécio Pereira, que só foi julgado e condenado em setembro de 2008. Sandra afirma que, a cada ano sem resolução do crime, o movimento feminista promovia ações políticas que mantinham atualizado, para a sociedade, o caso e pautavam os jornalistas, a fim de pressionar a realização do julgamento de Aécio Pereira. Para Sandra, “esta atualização parte muito da sociedade civil organizada, que adiciona novos elementos e reforça o agendamento”, explica.
Embora estes assassinatos contra mulheres tenham sido amplamente divulgados e debatidos, Sandra observa, em contrapartida, que “a imprensa ainda tem dificuldade de tratar da violência doméstica e sexual contra a mulher”. A violência de gênero que acontece no dia a dia “não têm o tratamento que a gente gostaria que tivesse. A cobertura não é satisfatória”, critica a pesquisadora.
Mulher e Comunicação
Ana Veloso — professora da Unicap e doutoranda da pós-graduação em Comunicação da UFPE — iniciou sua explanação falando da representação da mulher nos meios de comunicação, que, de forma geral, é construída a partir de dois estereótipos: a mulher enquanto objeto sexual e a mulher dona de casa. A imagem que a mídia constrói sobre a figura feminina, explica Ana Veloso, se ancora na realidade; portanto, para entender esta representação nos meios, é necessário observar o contexto em que se insere a comunicação no Brasil. “A mídia brasileira se concentra nas mãos de poucas famílias, comandadas por homens, brancos, heterossexuais e ricos”, descreve a pesquisadora. Notadamente, “o poder simbólico da imprensa está ancorado no machismo, patriarcado e fundamentalismo”, completa Ana Veloso.
Ana não fala apenas de representação, mas também da situação das profissionais de comunicação nas emissoras de Rádio e TV e jornais e revistas. Durante a apresentação, a professora mostrou dados de um relatório publicado em março e feito a partir de uma pesquisa em 66 países. Segundo o relatório, no Brasil, apenas 3% dos cargos de direção de veículos de comunicação são ocupados por mulheres. O relatório também diz que menos de 25% dos artigos de opinião, nos jornais brasileiros, são escritos por mulheres.
Depois de expor os dados, Ana destaca o novo papel que o movimento de mulheres deve cumprir no que se relaciona à democratização dos meios de comunicação no Brasil. Ela relembrou que em dezembro deste ano, será realizada a Conferência Nacional da Mulher e que o movimento feminista está se preparando para também deliberar, na conferência, sobre a comunicação no Brasil. “O movimento de mulheres está tentando se colocar como sujeito político no campo da comunicação no Brasil”, afirma Ana Veloso. E ressalta: “nenhuma mudança vai acontecer nesse país se a comunicação não for democratizada”.
Maria Cristina assassinada em 18 de fevereiro trabalhou como digitadora em vários jornais aqui em João Pessoa não sabia ela que seria notícia um dia naquele mesmo teclado seria dada a noticia de seu assassinato. Aos 22 anos faltando meses para concluir a faculdade de Letras… semana que vem no dia 18de fevereiro se completam 26 anos que não tem justiça pra o caso Cris #quesaudade obrigada vc que fez a pesquisa e lembrou dela… ninguém lembra mais… Eu não esqueço nunca,quando minha aula terminava mais cedo ela me levava pra o trabalho eu ficava lendo e corrigindo os textos com ela. Minha tia linda destruíram minha familia.